quarta-feira, 14 de setembro de 2016

Nostalgia curitibana

Nostalgia curitibana
Cardosofilho

          Desculpem a insistência, meus amigos, mas volto à Boca Maldita para lhes dizer que na calçada em frente do que foi a filial das Casas Pernambucanas e, muito antes disso, o saudoso Cine Ópera, os mendigos, ou moradores de rua, ou os ébrios, ou drogados, ou todas estas coisas, continuam a dormir ali, sossegados, enrolados em cobertores imundos. Passam assim a manhã toda, em deprimente exposição. Um deles, resolveu também espalhar pipocas na calçada, para que pombos venham comê-las. E assim tomam espaço em um ponto turístico importante da cidade e afugentam aproximação, pois o cheiro de urina que produzem espanta qualquer cristão. Bem, o quadro é este e a pergunta é: como ficamos?
          Num desses sábados, o candidato a prefeito Rafael Greca passou por lá, parou em nossa roda de conversa, foi saudado, saudou-nos com sua simpatia peculiar, conversou um pouco, observou o quadro de degradação humana estampado na calçada e garantiu que, se eleito, vai cuidar disso. Cuidar, se bem entendemos, seria resolver o problema. O relato não pretende ser propaganda eleitoral; limito-me a transmitir o que ele afirmou, e pode ser apenas promessa eleitoreira. Todavia, a turma da Boca ficou esperançada. Afinal, Rafael Greca gosta da cidade como poucos, é inteligente, já foi um bom prefeito e com certeza se sente afetado, como nós, pela miséria que invade as ruas de Curitiba. Não sei o que precisa ser feito, pois sou apenas um escriba, um tanto acossado pela idade, cansado de observar as chagas urbanas que se agravam. O poder público tem gente especializada para se debruçar sobre os problemas e formular soluções. O que sabemos, como curitibanos, é, que, como está, não dá para ficar. E pergunto: que besteira é essa de não poder retirar esses pobres-diabos das ruas, para dar-lhes banho, comida, roupas limpas e abrigo, se a ação contrariar-lhes a vontade de nas ruas permanecer? O que resolve a caridade de levar comida ou cobertor aos que recusam ajuda social adequada?
          Fica, mais uma vez, o registro lastimável, com minha disposição de não retornar ao assunto, se bem que os fatos têm a mania de nos atropelar e de se impor. Aí não tem jeito. Veremos. Mas falei em Rafael Greca e pude observar a acolhida alegre que recebeu na Boca Maldita. E me pus a pensar. Ora, o Greca – imaginou-se – havia morrido politicamente, depois que se aliou a Roberto Requião, um homem que o atacava com a virulência habitual e debochada. Incompreensível decisão, eram azeite e água, não tinham como se misturar, e, no entanto, aconteceu. Como muitos, considerei Greca acabado, sem condições de eleger-se até para síndico de edifício. Aquela aliança fez-lhe muito mal e o converteu numa figura melancólica enterrada para sempre.
          O mundo, como sabemos, dá voltas, o que era deixa de ser, o errado vira certo e assim vai. Eis que Greca se afasta de Requião e ressurge como candidato de novo à prefeitura de Curitiba. E os antigos admiradores de sua intelectualidade e da administração que empreendeu na cidade, de 1993 a 1997, esquecem o pecado da aliança política espúria e insensata e de outros deslizes, como a pouca afortunada passagem como ministro de Esporte e Turismo no segundo governo de Fernando Henrique Cardoso, entre 1999 e 2000, e tendem a lhe conceder novo voto de confiança. O fenômeno de seu ressurgimento tem a ver com a nostalgia que acomete boa parte dos curitibanos, agarrados à lembrança de uma Curitiba mais bem planejada e cuidada, mais cultural, em sintonia com sua vocação de cidade limpa e bela, sem a miséria ambulante que a agride e descaracteriza.
          É isto.
         

Setembro de 2016.

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