quinta-feira, 18 de agosto de 2016

Homem-Aranha

Homem-Aranha
Cardosofilho


Aos sábados, de manhã, a Boca Maldita encontra-se protegida contra os malfeitores. Antes, porém, já que falo em Boca Maldita, lamente-se a invasão que ela sofre de mendigos e moradores de rua. Por sinal, na calçada em frente do que foi a filial das Casas Pernambucanas, vão-se acostumando a dormir dois ou três. E dormem bem, pois custam a acordar. Num desses dias, deixei a Boca por volta do meio-dia e um casal continuava lá estirado na calçada, em sono profundo, sob um edredom estampado e sujo, alheio ao burburinho em torno. Aliás, Curitiba está sendo tomada por esses moradores sem morada que, segundo os defensores dos direitos humanos, não podem ser retirados das ruas contra a vontade deles, mesmo que seja para lhes dar abrigo, banho, comida e roupa limpa. Vamos mal, amigos. Confundindo tudo, esticando demais os conceitos, as definições, os direitos, enfim. Não resultará coisa boa dessa empulhação rotulada de “politicamente correto”. É tempo de corrigir.
          Mas escrevia sobre a segurança que impera na Boca Maldita aos sábados de manhã. É que lá se posta, em pé sobre uma pedra, o Homem-Aranha. Vestido em seu traje azul e vermelho, mantém-se atento ao movimento geral. E o faz com estilo. Põe os dedos das mãos esticados na altura das sobrancelhas, como fossem a pala de um boné, e os polegares apoiados nas frontes, para proteger a visão do sol e melhor enxergar. Visto assim, parece perscrutar a paisagem com um binóculo. Sua postura alerta, vigilante e imperturbável garante a tranquilidade geral. Só relaxa quando pais e mães se aproximam e pedem que o herói se deixe fotografar ao lado de seus filhos. Então ele posa para as câmeras dos smartphones junto das crianças, encena o gestual de lançar pelos dedos os fios de seda com os quais constrói as teias e faz a alegria dos pequenos admiradores. Pela concessão, os pais deixam-lhe algum a título de cachê, seguem em frente no passeio matinal e ele retorna ao posto, de atalaia para qualquer eventualidade criminosa.
          O Homem-Aranha não fez parte de minha infância. Surgiu em 1962, quando eu já deixara as fantasias para trás. De minha época foram o Fantasma, Capitão Marvel, Superman, Batman e Robin etc., além dos heróis do faroeste, como Zorro e seu companheiro índio Tonto, Rocky Lane e Cavaleiro Negro, cujas aventuras líamos nos gibis. Estes, depois de lidos, a gurizada os levava à frente dos cinemas para trocá-los antes das matinês de domingo. E, assim, gerações se iniciaram na leitura por meio das aventuras em quadrinhos de super-heróis e caubóis criados nos Estados Unidos. Só lá surgiam. Não nasceu aqui, por exemplo, um Super 171, ou um Carioca Voador, ou um Sertanejo de Aço. Nada mudou deste então.
          Confesso que os super-heróis contemporâneos de minha infância não me emocionavam. Seus poderes prodigiosos estavam num plano fantástico delirante e absurdo demais. De Batman até gostava, porque mais perto das possibilidades do mundo real, mas preferia o Fantasma e seu inseparável cão Capeto, herói misterioso como a África selvática de então. Herói voador, sem avião, sempre foi demais para meu gosto.
          Quanto ao Homem-Aranha curitibano, eis ali um homem solitário à espera de fotografias e algum troco. De heroico mesmo, talvez só sua luta para sobreviver, agarrado a uma fantasia.


Agosto de 2016.

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